Um planeta chamado cidade | Museu do Amanhã

Um planeta chamado cidade

Observatório do Amanhã
Foto aérea de prédios de uma cidade

Por Rogério da Costa*

Hoje, mais da metade da população mundial vive em cidades e a tendência é que outras 2,5 bilhões de pessoas se juntem a ela nas próximas décadas, segundo dados do relatório World Cities, recém divulgado pela UN-Habitat, o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. Este relatório avalia os últimos vinte anos de urbanização em todo o mundo e aponta algumas tendências para o futuro. É uma referência importantes para o cumprimento da agenda de desenvolvimento firmada pelos países membros das Nações Unidas até 2030, auxiliando os governos na gestão urbana, as ações de organizações não-governamentais e o estímulo às inovações tecnológicas das empresas.

Estamos diante de um desafio que atualmente passa por 44 grandes cidades (ou seja, aquelas com 5 a 10 milhões de habitantes) e 29 megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes), que, segundo o relatório, devem aumentar nos próximos anos. Por isso, no nosso século 21, afirma o UN-Habitat, as cidades são plataformas para a mudança global e local, pois as paisagens urbanas geram espaços de convergência econômica, cultural, política e ambiental. O que demonstra uma visão presente no relatório de que o aumento do número de pessoas vivendo nas cidades deve ser percebido não apenas como um resultado inercial da expansão urbana, mas também como um estímulo ao desenvolvimento, a migração, o comércio e a produção cultural.

Mas é importante se fazer a pergunta que está no relatório: Como acomodar mais 2,5 bilhões de pessoas que irão morar em cidades até 2050? Essa concentração demográfica é uma preocupação para os países desenvolvidos, onde muitas cidades grandes sofrem com graves congestionamentos, e também para os países em desenvolvimento, onde a melhoria das condições básicas socioeconômicas ainda se encontra muito atrasada.

O relatório calcula que serão necessários em torno de 57 trilhões de dólares em investimentos de infraestrutura até 2030 para apoiar o crescimento urbano em todo o mundo. Outra consequência apontada pelo relatório é a sobrecarga dos recursos naturais. Para se ter uma ideia, em 2030, a demanda global por energia e água deve crescer em 40 e 50 por cento, respectivamente. Ainda segundo o relatório, isso provavelmente vai acelerar a perda de biodiversidade e aumentar a propagação de doenças infecciosas. Por esses motivos, a adaptação às mudanças climáticas deve fazer parte da agenda de desenvolvimento urbano nas próximas décadas, mobilizando ações locais em conjunto com a preservação da biodiversidade.

O ponto de vista adotado no relatório é de que os graus de urbanização e desenvolvimento econômico estão estreitamente relacionados. Assim, países de renda elevada praticamente concluíram suas transições urbanas. Então, a previsão é que a urbanização irá se centrar nos países em desenvolvimento até 2050. Nas projeções, a população urbana de países com renda média mais baixa mais do que dobrará de tamanho, aumentando em cerca de um bilhão. Já as populações urbanas em países de baixa renda devem quase triplicar, aumentando em mais de 500 milhões.

A UN-Habitat reconhece neste relatório que a gestão da transição urbana nesses países é difícil, pelo fato dos prazos para adequação a esse adicional de pessoas serem curtos e ainda porque esses países têm menos recursos para realizar as mudanças necessárias. Um desafio básico é a rapidez da urbanização. Para se ter uma ideia, entre 2010 e 2025, cidades secundárias vão ser anfitriãs de um adicional de 460 milhões de habitantes, em comparação com os 270 milhões que serão recebidos pelas megacidades. A maior parte das megacidades está localizada em países em desenvolvimento, tendência que deve permanecer nas próximas décadas já que muitas cidades da Ásia, América Latina e África devem se tornar megacidades até 2030. 

Se as cidades mais populosas estão em países em desenvolvimento, as 600 cidades mais importantes economicamente estão em países desenvolvidos. Elas concentram 1/5 da população mundial, atualmente estimada em mais de 7 bilhões, gerando mais de a metade do Produto Interno Bruto (PIB) global. Para 2025, a previsão do relatório da UN-Habitat é de que a contribuição dessas cidades para a economia mundial se mantenha, mas que cidades da China, Índia e de países da América Latina tenham uma participação maior no cenário econômico global, fazendo com que o centro de gravidade do mundo urbano se mova para os países em desenvolvimento, particularmente para o sudeste da Ásia.

A explicação para isso é que, enquanto o mundo se recupera de uma grande recessão, cidades em economias emergentes como a China, a Índia e o Brasil se tornaram os principais locais para os negócios de investimento, apresentando empresas globais com oportunidades sem precedentes para pesquisa e desenvolvimento. Em 2030, a maior parte da classe média na China estará concentrada em áreas urbanas e pode chegar a um bilhão de habitantes, o que corresponde a 70 por cento da população projetada da China. 

É evidente que o relatório da UN-Habitat põe a urbanização no centro do desenvolvimento econômico, pois o capitalismo atual tem sua estrutura de produção e dos mercados globalizados inteiramente apoiados nas cidades. Contudo, a velocidade da urbanização, sobretudo nos países em desenvolvimento e nos países pobres, não parece comprovar a tese que correlaciona urbanização com desenvolvimento. O próprio relatório afirma que o número absoluto de habitantes de favelas subiu de 689 milhões em 1990 para 880 milhões em 2014, e que, sem uma ação conjunta, esse número continuará aumentando na maior parte dos países em desenvolvimento. Sem dúvida, a urbanização será um dos maiores motores de crescimento da economia mundial nesta era, mas os países e as cidades não poderão se aproveitar de forma equivalente das vantagens e oportunidades dessa tendência.


* Rogério da Costa é consultor do Museu do Amanhã, professor da PUC-SP e diretor do Laboratório de Inteligência Coletiva. É doutor em História da Filosofia pela Université de Paris IV (Paris-Sorbonne)

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.