Os mapas do corpo no cérebro | Museu do Amanhã

Os mapas do corpo no cérebro

Observatório do Amanhã
Foto: National Institute of Mental Health

Por Claudia Domingues Vargas & Maria Luiza Rangel*

Os seres humanos são exímios produtores de movimentos. Realizamos continuamente desde movimentos simples, como, por exemplo, abrir e fechar os olhos, até sequencias de grande complexidade, como os gestos, a fala e as atividades da vida diária. Movimentos são transformações sensório-motoras. Através dos sistemas sensoriais (visão, audição, somestesia, propriocepção, vestibular) captamos as informações relevantes sobre o ambiente, sobre o próprio corpo e de outros indivíduos, e produzimos sequências de contrações musculares, recrutando o sistema motor para produzir ações eficientes. 

Embora todo este processamento aconteça de maneira muito rápida e fluida, a complexidade só é revelada quando se aprende um novo movimento ou quando se perde a capacidade de realizar plenamente alguma ação (como nos casos de lesão do sistema nervoso ou em lesões periféricas). 

A neurociência há muito tempo investiga as relações entre o corpo e os movimentos. Na década de 1950, estudos pioneiros do neurocirurgião Canadense Wilder Penfield mostraram existir uma representação dos segmentos corporais no cérebro. Hoje em dia, técnicas modernas de neuroimagem e de eletrofisiologia, além do avanço simultâneo nas metodologias e análise de sinais biológicos, permitem a investigação das regiões corticais e subcorticais em indivíduos ativos, realizando diferentes tarefas. Trabalhos recentes mostram que construímos mapas espaciais que diferenciam o espaço próximo ao corpo (peripessoal) e aquele distante do corpo (extrapessoal). 

Estes mapas são de grande importância biológica, visto que o espaço peripessoal éparticularmente relevante para nossas interações com o ambiente. A natureza desta representação possivelmente reflete as ações possíveis neste espaço, ou seja,respostas motoras rápidas e apropriadas a diferentes estímulos que se aproximem do corpo. De fato, este estímulo pode ser uma ameaça em potencial, que provoca movimentos de defesa ou de retirada, ou pode ser um evento de interesse, que proporciona movimentos de aproximação e interação.  

Quando o assunto é esporte, falamos de movimento. Atletas olímpicos são especialistas nos movimentos da sua modalidade esportiva. Os paralímpicos também. Esses esportistas nos levam a pensar na incrível capacidade de reorganização das funções sensório-motoras, do cérebro e, consequentemente, dos mapas representados no córtex. Com relação aos mapas espaciais, embora não haja uma separação física entre o espaço peripessoal e o espaço extrapessoal, nosso cérebro representa um limite entre o que está próximo ao nosso corpo e, portanto, é um alvo de interação em potencial e com o que está distante dele.

Interessantemente, a localização deste limite não é rígida, mas varia entre indivíduos em diferentes contextos. Por exemplo, em pessoas cegas, a região que fica a umadistância de até 30 centímetros próxima da mão pode ser aumentada pelo uso de bengalas para explorar o ambiente, sugerindo que o acessório atua como uma ferramenta e éincorporada à representação do corpo do indivíduo. De maneira similar, em amputados a perda de uma parte do corpo faz com que a percepção do espaço peripessoal do membro retirado seja reduzida, mas o uso de próteses pode reestabelecer os limites desta representação.

Qualquer alteração plástica uso-dependente ou mesmo a inclusão de ferramentas no esquema corporal ocorre ao mesmo tempo com outras modificações comportamentais devido ao aprendizado motor, especialmente quando se trata do uso de ferramentas complexas que requerem a aquisição prévia de habilidades motoras complexas.

Trabalhos recentes avançam na tentativa de estudar como o espaço peripessoal érepresentado no cérebro humano, investigando os mecanismos neurais associados à codificação desta área. Este é um ponto chave para estudos futuros em neurociências.

Certamente o cérebro dos atletas paralímpicos e suas capacidades extraordinárias são um universo para inspirar e investigar estas questões. Fundamentalmente, acreditamos que a neurociência possa de fato trazer uma resposta à sociedade econtribuir através do desenvolvimento de tecnologias assistidas, tanto para o tratamento dos distúrbios funcionais gerados por lesões no sistema sensório-motor, quanto para o aprimoramento de equipamentos para uso esportivo

* Claudia é Pesquisadora Principal do Cepid NeuroMat/FAPESP e consultora técnica da exposição Esporte & Cérebro, que pode ser vista até 2 de outubro no Museu do Amanhã. Claudia e Maria Luiza são pesquisadoras do Laboratório de Neurobiologia II do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e do Laboratório de Neurociencias e Reabilitação do Instituto de Neurologia Deolindo Couto
O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.