O futuro está nas meninas de 10 anos | Museu do Amanhã

O futuro está nas meninas de 10 anos

Observatório do Amanhã
Criança negra sorrindo de frente para a câmera com laços laranjas no cabelo / Foto: UN Photo/Marco Dormino CC BY-NC-ND 2.0

Por Jaime Nadal*

“10 – Como nosso futuro depende de meninas nessa idade decisiva” é o título da edição mais recente do relatório Situação da População Mundial do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (UNFPA). Relatório esse que faz um reconhecimento à importância fundamental dos investimentos e da proteção das meninas nas políticas de desenvolvimento social e econômico dos países, assim como nas ações de proteção e defesa dos direitos humanos. Esses investimentos não somente irão garantir que a comunidade internacional possa atingir as metas estabelecidas na “Agenda 2030” de Desenvolvimento Sustentável, mas também que o Planeta possa ter a esperança de que a agenda de sustentabilidade possa se consolidar para além do ano 2030.

Mas, o porquê dos 10 anos? A idade de 10 anos é um ponto de inflexão fundamental na vida das meninas de todo o mundo. Marca o início da puberdade, um momento especial de descobertas, aprendizado e aumento da autonomia. Mas, para muitas meninas, significa o começo da discriminação de gênero, vulnerabilidade e exclusão de direitos e oportunidades. 

Em vários países, a puberdade marca o momento em que meninas são consideradas aptas para o casamento e a maternidade, apesar dos riscos para sua saúde (a maternidade precoce multiplica os riscos de morte materna) e para sua formação (muitas são obrigadas a abandonar os estudos para cuidar da família). Sem acesso à educação, com a saúde comprometida e sem controle sobre o próprio corpo, a possibilidade que essa menina de 10 anos consiga desenvolver um projeto de vida e se incorporar ativamente na vida econômica e social de sua comunidade fica severamente comprometida. 

Apesar da legislação brasileira permitir o casamento na adolescência apenas por meio de autorização judicial e, excepcionalmente, nos casos de gravidez, dados do IBGE (2006) indicam que uma em cada três meninas se casa ou passa a viver em união estável durante a adolescência, o que coloca o Brasil como quarto país com maior incidência de casamentos precoces em números absolutos. De acordo com o Censo 2010, pelo menos 88 mil meninos e meninas com idades de 10 a 14 anos estavam em união estável, sendo mais frequente entre meninas, muitas vezes com homens adultos.

Dados do Ministério da Saúde revelam que, em 2014, nasceram 28.244 crianças filhos e filhas de meninas entre 10 e 14 anos, e 534.364 crianças de mães com idades entre 15 e 19 anos. A maternidade precoce contribui para a exclusão e a perpetuação dos ciclos intergeracionais de pobreza: 7 em cada 10 mães adolescentes no Brasil são negras e 6 em cada 10 não estudam nem trabalham, sendo que os estados do Norte e Nordeste apresentam as maiores taxas de gravidez na adolescência. 

Apesar da importância da faixa etária dos 10 anos, essa idade está tradicionalmente relegada ao “limbo” das políticas públicas: a grande maioria dos países – o Brasil inclusive – não têm ações, programas e políticas específicas para esta idade, ficando a atuação do Estado concentrada na primeira infância (com foco na redução da mortalidade infantil) ou nas faixas correspondentes à adolescência e juventude (a partir dos 12 anos, segundo o critério adotado no país). 

A realidade é que os investimentos em adolescentes e jovens precisam começar mais cedo, para que as meninas a partir de 10 anos possam desfrutar de seus direitos, manterem-se saudáveis e estarem protegidas contra o casamento infantil e a gravidez precoce, para que tenham maiores chances de realizar seu pleno potencial quando atingirem a idade adulta.

O relatório mostra que meninas devidamente escolarizadas, que têm sua saúde preservada e seus direitos respeitados conseguem até triplicar sua renda e produtividade ao longo da vida, contribuindo de forma mais expressiva para o desenvolvimento de seus países. A projeção é que, ao longo dos próximos 15 anos, os países em desenvolvimento podem somar mais 21 bilhões de dólares em suas economias se investirem hoje no bem-estar, na educação e na autonomia das meninas de 10 anos. 

Nosso futuro coletivo, representado pelos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela Agenda 2030 das Nações Unidas, depende do apoio que daremos hoje às 60 milhões de meninas com 10 anos de idade que existem no mundo – das quais 1,6 milhão no Brasil -, à medida em que elas iniciam sua jornada da adolescência à idade adulta. 

Meninas que tinham 10 anos quando esses objetivos foram aprovados pelos estados-membros da ONU, em 2015, terão 25 anos quando o prazo para o cumprimento das metas for alcançado; o pleno sucesso dessa Agenda, que aponta para o desenvolvimento inclusivo, equitativo e sustentável, segundo a premissa de “não deixar ninguém para trás”, dependerá de dar a essas meninas as oportunidades para que cheguem em 2030 saudáveis, escolarizadas, empoderadas e produtivas, possam realizar seus direitos e ajudar a criar o futuro que desejamos.

* Jaime Nadal é Representante do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil. UNFPA é a agência de desenvolvimento internacional da ONU que trata de questões populacionais, sendo responsável por ampliar as possibilidades de mulheres e jovens levarem uma vida sexual e reprodutiva saudável. O UNFPA trabalha para acelerar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar voluntário e a maternidade segura; e busca a efetivação dos direitos e oportunidades para as pessoas jovens.

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.